Violência Psicológica e Relacionamentos Abusivos na Adolescência
Escrito por: Giovana Assis
A adolescência é como pegadas na terra, um espelho embaçado. Não define nem mostra quem você é, mas diz muito sobre quem se tornou. São as escolhas feitas e o caminho que uma maturidade infantil te levou. É a certeza de que se é maduro o suficiente e ainda se sabe menos que uma criança, já que a criança ao menos é sincera. É um desenho, um esboço de uma sociedade futura, ainda em formação.
Por esses motivos, assuntos como relacionamentos abusivos e a violência psicológica, que fazem parte da vida de um adolescente, não podem ser um tabu, muito menos romantizados, pois negligenciá-los é privar uma geração de conhecer os limites que um relacionamento deve ter, além de dar continuidade ao ciclo de relacionamentos abusivos, sejam eles da forma que for, desde uma amizade duradoura a um namoro recente.
Dados indicam que meninas que sofrem relacionamentos abusivos durante a adolescência, tendem a na idade adulta passarem por situações de violência doméstica. É importante pontuar que apesar da palavra "abuso" assustar, ela define tranquilamente uma violência psicológica. Abuso pode ser definido pelo dicionário como o uso excessivo de poderes, que tanto meninos quanto meninas muitas vezes tem sob a pessoa "amada".
A agressividade é um dos poucos aspectos da personalidade humana que é fácil de esconder e pode ser maquiada por elogios prontos, uma história “bonita” e declarações que não dizem nada além do que uma vítima vulnerável e insegura precisa ouvir.
Na mente de quem já não sabe se defender, de quem não sabe que precisa se defender, o ciúmes é só proteção, a manipulação são só críticas construtivas, a dependência emocional é conforto, a ansiedade é apenas uma consequência de uma relação intensa, a abstinência é saudade, o vício é amor e no final a culpa de tudo isso é sempre sua. Quando a culpa, de fato, se faz no "só", no "apenas", na diminuição de atitudes tão destrutivas, na distorção de fatos, discussões, na culpabilização da vítima e na crença de que tudo que dói tanto é visto como loucura, exagero. Essa situação de confusão mental e manipulação, que faz a pessoa desconfiar da própria mente e das situações vivenciadas é tão comum que já possui o termo apropriado: gaslighting. A expressão surgiu com a peça teatral Gas light de 1938, na qual o marido diminui a iluminação a gás e ao perceber a mulher é convencida de que enlouqueceu e de que as luzes são as mesmas.
Fica claro o que é um relacionamento abusivo quando ele pode ser definido por palavras, mas será que você é capaz de reconhecer rostos nessas palavras? Que conhece 3 das 5 mulheres que já passaram por um relacionamento abusivo? Será que conhece os agressores?. Muitas vezes você já passou por um relacionamento desse tipo e sem nem se dar conta, defendeu o agressor sem ter conhecimento da situação ou empatia com a pessoa afetada. O problema da violência psicológica é que ela é velada, normatizada e gera danos que não podem ser vistos sem uma dose considerável de empatia, ou ter vivenciado uma situação semelhante.

Quem vive num relacionamento abusivo vive no escuro, como se a pessoa abusiva tivesse a luz que pudesse guiá-la para longe do breu que se fez, mas não se dá conta que a luz é só uma lanterna fraca a base de pilhas que mostra só o que as mãos que a seguram permite ver. O que realmente importa é que há luz e perdê-la, ter que lidar com a noite silenciosa que pode ser a sua própria companhia, já é motivo o bastante para querer desesperadamente a “lanterna” que é a companhia da pessoa abusiva. Você se esquece que a noite tem luar, esquece das estrelas e que uma hora o sol renasce.
Você se afoga num amor fictício, na esperança de que as características que fazem desse indivíduo tão perigoso para sua saúde mental sejam transitórias, externas a quem ele é, as desculpas são aceitas, as culpas são tomadas para si, seus sentimentos não são mais confiáveis, podem ser só exagero, drama, quem sabe você não enlouqueceu.
Os amigos que te incentivam a sair dessa relação não podem fazer isso por você e depois de tantas tentativas falhas de sair disso, talvez alguns riam ou ignorem seus pedidos de ajuda. São momentos que exigem força, amor próprio e muita resiliência. Não é fácil perceber que se está num relacionamento abusivo, porque ninguém escolhe isso, você se mantém e persiste nele pelo que parece ser o “ideal de amor” e sair é ainda mais complicado pelos mesmos motivos, acrescentados a pressão e insistência do abusador.
Parece estranho, mas ainda é necessário dizer, a culpa não é da vítima, independente do gênero, raça, orientação sexual ou classe social, a culpa nunca é da vítima. Violência não se justifica.
Quando romantizamos o ódio, quando o egoísmo e a instabilidade constantes num relacionamento são normalizados, quando julgamos e menosprezamos o sentimento do abusado, só reafirmamos o lado do opressor, negamos à vítima sua voz ativa e por isso é importante oferecer apoio a essas pessoas, dar o lugar de fala que elas possuem só reconhecendo as feridas do outro e as vivências que não te pertencem.
Depois de uma relação abusiva, você passa os dias justificando seu afastamento, tentando confiar no julgamento das pessoas e principalmente no seu e todos os dias você tenta se provar que fez a melhor escolha e que não enlouqueceu. Você tenta constantemente se perdoar por um erro que nunca foi seu. Quando você sai disso não consegue olhar nos olhos de quem te feriu, mas enquanto não sai é incapaz de olhar nos seus próprios olhos.
Não se renda, não se cale, não deixe que te anulem, não romantize aquilo que te rasga o peito.
